domingo, 27 de julho de 2014

Contos & Crônicas: CREPÚSCULO DE UMA ERA



Os dias passavam lentos...

As crianças ainda podiam passear em suas bicicletas ao entardecer.

Amarelinha; gude; brincadeiras de roda... o futebol no campinho do bairro, que orgulhosamente defendíamos em cada partida, como se fosse nosso próprio estádio.


"Amarelinha"
"Gude"




"Brincadeira de roda"
"Futebol no bairro"









O tempo era nosso aliado e fazia parecer com que crescêssemos de modo lento e gradual. Primeiro; vivíamos a plenitude “dinâmica” de nossas infâncias, para depois e somente depois; curtirmos as “supostas” agruras e os reais deleites da puberdade.

Ahhh... as espinhas!

Talvez o maior dilema da adolescência... intermináveis horas a fio frente a um espelho. Era uma época em que devíamos descobrir e conquistar nosso próprio espaço.

E boa parte disso; era arduamente obtido mediante os olhares alheios que de um ou outro modo, fazíamos dispensar até nós; quer seja através da aparência; do esporte; ser o mais popular sem deixar de ter uma certa rebeldia (mesmo que sem causa), a qual se manifestava nas roupas; poses; jeitos e trejeitos inspirados nas constelações yankees da 7ª arte – John Wayne; James Dean e um desconhecido Mel Gibson que protagonizava um estranho “Mad Max”.


John Wayne


James Dean

Mel Gibson em "Mad Max"

Algodão doce; balas; chicletes; “Confeti”; pipoca; refrigerante... pronto!




Apagam-se as luzes, agudos assovios; projéteis feitos de papéis de bala zuniam por sobre as nossas cabeças. Ah sim! Sempre havia aquele desagradável cidadão de considerável estatura, que teimava em sentar-se justamente na poltrona em frente, impedindo assim nossa visão...

Seguíamos em busca do local perfeito, que para piorar; quase sempre era na fileira junto ao palco. Isso causaria doridos torcicolos no dia seguinte. O ribombar dos alto falantes; abrem-se as vermelhas cortinas...


CANAL 100!


Noticiário. O Brasil e o mundo em manchete; futebol; mais assovios; prévias de películas vindouras e finalmente... o filme em cartaz! Serenam-se os ânimos, silêncio pleno e absoluto. 

Das sonoras e agitadas "matinês"; passávamos ao noturno glamour de "Lumière". Sim, houve época em que os cinemas exalavam charmoso encanto; tanto quanto ou até mais que os pomposos casamentos e bailes de formatura de hoje em dia.

Colocávamos nossa melhor roupa, encharcávamo-nos de perfume... lembro da angustiante espera na fila de entrada, cuja censura obstruía o acesso aos menores de 18 anos.

E agora... Como passar pelo porteiro?

Na tela; clássicos e épicos tais como “Touro Indomável”; “A 1ª Noite de Um Homem”; “Superman”; “Tootsie”; Guerra nas Estrelas”; Hair” e sua tão esperada Era de Aquário.







Na platéia; o desejado escurinho; roçar de cotovelos; um já “ousado” braço que discretamente começa a espreguiçar-se num fortuito intuito de abraçar o par ao lado...

O beijo roubado era o maior troféu de honra ao mérito!

As festas de sábado à noite na casa dos amigos... e sempre na presença dos pais do anfitrião que vez por outra saíam de seus aposentos para buscar um “providencial” copo d’água. Os saraus de domingo à noite embalavam nossos sonhos por um chão de estrelas de modo enebriante; contagiante; impossível resistir.

E essa trilha sonora que fazia levitar nossas paixões juvenis; e boa parte de nossas vidas adultas; nos conduzia ao sétimo céu; era a fina flor do talento.

Bee Gees; Rolling Stones; Village People; ABBA; Brian Ferry (Slave To Love); Tears for Fears (Woman in Chains); O.M.C; Pet Shop Boys; INXS











A música popular brasileira achou a sua Hipocrene, ainda que sob os auspícios e rigores dos conturbados anos 70, nos braços de Caetano Veloso; Gilberto Gil; Chico Buarque; Rita Lee; Raul Seixas; Paulinho da Viola; Benito Di Paula – A inteligente ironia fazia-se notar implicitamente nas suas letras.












Os anos 80 transbordaram ainda mais essa fonte: Roupa Nova; Blitz; Kid AbelhaPara-lamas do Sucesso; Lulu Santos; Barão Vermelho; o sempre poeta Cazuza; a inesquecível Legião Urbana! Dourada época de um romantismo puro.







A noite corria em lânguido torpor das horas, mas animada em espírito; porém sempre voltávamos no tácito horário pré-estipulado. Era como um pré-requisito para obtermos nosso certificado “moral” de maturidade e responsabilidade; outorgado pelos nossos pais.

Tal confiança era representada na forma do uso e posse das... chaves de nossas casasE dentro de cada uma daquelas casas idênticas, com rendadas cortinas alvas em suas janelas e seus carros nas garagens, emanava o inconfundível aroma familiar do pão de fôrma que revigorava o ambiente.

Ao fundo; uma tênue, porém ruidosa estática do sempre fiel rádio à pilha que em épocas outroras, fazia as donas de casa sorrirem ou prantearem com a transmissão de radionovelas (“Direito de Nascer”) durante o preparo das refeições.

Os matutinos radiojornais que irradiavam notícias durante o desjejum que antecedia nossa ida à escola nas sonolentas e gélidas manhãs de inverno. A empostada e grave voz de Milton Jung no seu programa...


O seu Correspondente Renner”.

Ou então durante as madrugadas quando acalentávamos nossas almas ao ouvir Flávio Alcaraz Gomes e seu saudoso bordão...

Das Leituras da Madrugada!


O azul brilhante da TV reunia a família em dois básicos momentos:

No silente silêncio do telejornal, que era regido pelo sério olhar do pai de família. A dualidade do ser; sabíamos o que acontecia a milhares de quilômetros... Vietnã; América Central... Mas desconhecíamos quase que por completo o que ocorria no “quintal dos fundos” (Tempos difíceis àqueles).

O outro momento era quando um turbilhão de emoções invadia nossas vidas na forma de telenovelas... Irmãos Coragem”; “Estúpido Cupido”; “Beto Rockfeller”; “Os Imigrantes”; “Escrava Isaura”; “Dª Xepa”; “Dancin’ Days”.









Os seriados... Rintintim”; “Perdidos no Espaço (Perigo... Perigo!)”; “Viagem ao Fundo do Mar”; “Terra de Gigantes”; “Jornada nas Estrelas”; “Os Waltons. Os clássicos desenhos animados Scooby Doo”; “Zé Colméia”; a psicodélica “Pantera Cor de Rosa”. De alguma forma e razão, esses momentos ajudaram a tornar as famílias coesas como poucos conselheiros matrimoniais fizeram até hoje.










Findava o ano, era chegado o verão. Vizinhos sentados ao largo das calçadas em frente a suas casas.



Do entardecer ao cair das horas; o chimarrão corria solto de mão em mão gerando o prelúdio de uma boa e calmante charla; regada a francos sorrisos. Era assim que lidávamos com o estresse diário... Se é que ele realmente existia!

Economia; salários; política às vezes e com muito cuidado; futebol nos domingos à tarde após o farto banquete nos almoços em família. Registro na memória, que íamos ao estádio na mais convicta certeza de voltarmos para casa sãos e salvos; férias; carnavais (E pasmem... Ele já foi uma festa familiar!); as festas juninas; os natais.



Lembro que em um certo ano, o Natal deixou de significar para mim, luzes brilhantes; ruas ornamentadas e presentes em coloridos embrulhos depositados previamente sob a árvore; para significar... Recordação!



No começo confesso que fiquei um pouco desapontado, mas aprendi que a memória era uma maneira de reter as coisas que amamos; as coisas que nunca queremos perder. Naquela noite; cheguei a seguinte conclusão:

“... Num mundo que muda em feroz, avassaladora e crescente velocidade de princípios e interesses; o melhor que podemos fazer é demonstrar afeto; respeito e desejar boa sorte aos nossos semelhantes!”

Mas Deus criou o tempo, o homem inventou o relógio e esse último... Cobrou o seu valor! Hoje os dias são curtos, cobranças; pressões; estresse...

Nossos filhos não conseguem mais andar um quarteirão sem colocar em risco, suas vidas por um simples par de calçados e acabar num terreno baldio qualquer. Crescem rapidamente; muito além de sua idade e época.

Não existem mais claramente as distintas fases de um crescer, muito embora isso nem sempre implique em um grau de consciência; responsabilidade e algumas vezes até... Humanidade!

Os Centros de Compra, estão longe de oferecer os encantos das casas de cinema - que por sinal, já não existem mais. O beijo proibido foi mais do que permitido; virou sinônimo de paternidade precoce, ou... Coisa pior!

O foco das preocupações juvenis baseia-se na obtenção de onerosos bens materiais e; voluptuosas somas financeiras no mais curto espaço de tempo possível. A pedra-máter em que se fundamentava o talento, perdeu espaço para a ganância de gravadoras...

“Rap”? Jair Rodrigues já não fazia isso há décadas atrás com a sua música “Deixa isso pra lá”? E os trovadores e repentistas? Estaria aí a origem do “Rap” e não os U.S.A.? “Baba Baby”? “Bonde do Tigrão”? “Éguinha Pocotó”? “Tchutchuca”? “Tô ficando Atoladinha”? “Tuntitunti”? Será possível regredirmos mentalmente mais ainda?

Freqüentemente ouço a frase:

-          “... Devemos nos conformar com o que temos!”

E para todos eles eu respondo...

- Talentos esgotados... Ouvintes debilitados! Conformismo barato e conveniente.

Nossos rebentos já não se interessam mais pelas chaves... Ganham logo um automóvel; um imóvel, quiçá uma viagem ao exterior. Teriam os ventos da liberdade e democracia varridos para longe os princípios da objetividade; determinação; força de vontade e trazido os entulhos do ócio; apatia e conformismo?

Ou então seria um latente e íntimo desejo dos pais ou responsáveis de menos tempo e atenção dispensarem aos seus herdeiros?

Para ambas as questões uma única e provável conseqüência: O afã das novas gerações em buscar através de meios, nem sempre recomendados, respostas as suas dúvidas e temores.

Os programas de rádio ficaram no limbo. Resistem ainda heroicamente as F.M’s, mas para se adaptarem as novas ondas; grande parte delas perderam o caráter pedagógico-informativo das A.M’s.

Se antes haviam os seriados que incentivavam nossa imaginação, hoje existem os “enlatados” estadunidenses na T.V. a cabo ou convencional (Sinceramente, duvido que eles mesmos assistam!); PokeMÓNS; DigiMÓNS e outros mongolóides mais que devem fazer Osama Bin Laden tremer de inveja em termos de atentados terroristas mentais para qualquer ser humano.

Nossos descendentes preferem literalmente, esconder suas almas nos mais lúgubres recônditos de um “chat” de bate papos qualquer, com um dialeto todo próprio; do que preferir os sabores e dissabores de uma vida real.

Abstenção total de emoções parece ser a palavra de ordem. E é dessa artificialidade que nascem amizades; relacionamentos e até mesmo; casamentos sem sequer se conhecerem direito.

E o que é ainda pior; acham isso à 8ª maravilha do mundo! Aonde foi parar o sempre fraterno abraço e o louvável cumprimento? Todos falam sobre os direitos humanos, mas poucos comentam ou sabem dos “DIREITOS DE HUMANIDADE”.

Estaríamos distantes da concepção e separação virtuais? Pchhh... Melhor não lançar inconseqüentes idéias!

Solidão, solidão...

Mas hoje, olhando para trás e fazendo um exame sincero de consciência, talvez as causas disso sejam falhas de minha geração ou pelo menos temos parcela de culpa. Fome; miséria; armas; drogas; furtos... Um desesperado homicídio...

É muito fácil assumirmos uma posição a respeito de algo, quando não há risco nenhum envolvido.

É muito fácil dar esmola ou fazer caridade a um mendigo, quando você tem dinheiro de sobra para guardar o resto no bolso.

Mas já não adianta criticar ou lamuriar apenas. Cabe-nos através da experiência apresentarmos sugestões concretas; e meios para a realização.

Acho que todos nós nos arrependemos de alguma coisa de cuja falta sentimos; quer seja porque desistimos; quer seja porque fomos preguiçosos demais... Ou porque tivemos medo de arriscar!

Retrógrado? Pessimista? Não. Nem tudo são pedras no avançar dos anos!

A medicina e a tecnologia evoluíram um parâmetro nunca dantes... Sequer imaginado! Tabus e preconceitos foram definitivamente enterrados, as mulheres enfim conquistaram e firmaram definitivamente seu espaço; graças ao seu talento e capacidade.

Sonhador, saudosista? Sim, sinto falta de humanidade; mesmo com seus vícios e virtudes... Restam bem poucos como eu. Ansiamos por uma nova e melhor aurora.

Não parei no tempo; o tempo é que parou em mim, afinal sou a testemunha viva do que passou, sou o...


Crepúsculo de uma era!



Do livro NUNCA antes (e nem depois, eh; eh!) publicado...
"EM BUSCA DE PEGASUS"!
Autor: Cesar "Xyko" Borges
Editora Scortecci

São Paulo/SP

Nenhum comentário:

Postar um comentário