sexta-feira, 8 de abril de 2016

JOL (Pelotas / RS): Oficial protegia empresa suspeita de formar milícia no RS, dizem policiais

07/04/2016 20h59 - Atualizado em 07/04/2016 21h54

Tenente-coronel André Luis Pithan chegou a ser preso, mas foi solto.

Ele negou a prática e afirmou que sempre agiu com legalidade.

Do G1 RS
Policiais militares ouvidos pelo Ministério Público afirmaram que o comandante da Brigada Militar de Pelotas, no Sul do Rio Grande do Sul, tinha conhecimento da atuação violenta da empresa de segurançainvestigada por formar uma milícia e torturar pessoas. Segundo as testemunhas, o ex-comandante do 4º Batalhão de Polícia Militar (BPM), tenente-coronel André Luis Pithan impediu o registro de uma ocorrência de agressão cometida por vigilantes.

A operação foi deflagrada na terça-feira (5) e prendeu 16 pessoas, entre elas  Pithan. No mesmo dia, ele pagou fiança e foi solto, e a corporação anunciou o afastamento dele do cargo.

Segundo um dos PMs ouvido, o oficial sabia sobre a tortura de um homem, suspeito de ter assaltado um posto de combustíveis. Ele foi flagrado sendo obrigado a ler o que estava escrito em uma placa com o nome da empresa, a Nasf, dentro de um carro.

No dia do fato, de acordo com o PM ouvido, dois policiais militares foram até o local e perceberam que o rapaz estava lesionado e, por isso, "iam dar os trâmites legais", ou seja, encaminhar para a delegacia o suspeito das agressões, que segundo a testemunha é filho do dono da empresa. "Ele se negou", conta.
Pithan flagrado no local onde suspeito foi agredido por vigilante em Pelotas, RS (Foto: Reprodução/RBS TV)Pithan flagrado no local onde suspeito foi agredido
por vigilante (Foto: Reprodução/RBS TV)
Segundo o PM, o filho do dono da empresa ligou para o tenente-coronel, e o oficial foi até o local  para retirar os policiais que queriam registrar o fato. "Chegando lá, destratou os policiais que estavam no atendimento da ocorrência, ordenando que os mesmos se retirassem do local imediatamente e determinou que outra viatura deslocasse ao local para atender essa ocorrência", contou o policial militar.
A reportagem da RBS TV teve acesso a fotos do comandante no local onde o vídeo foi gravado, sem farda. O oficial não quis gravar entrevista, mas, por mensagem no celular, confirmou que esteve no local no dia da prisão, por que passava pelo lugar e viu a confusão.
"Mandei que a primeira guarnição que chegou ao local conduzisse a ocorrência normalmente à DP, com todos os envolvidos", disse o oficial.

Questionado sobre a ordem de não abordar as viaturas da Nasf, ele disse que a ordem dada foi para não fazer abordagens indiscriminadas, somente com motivação, já que "havia reclamação formal"  de abordagens dos PMs. Ressaltou que sempre agiu com "legalidade".
Ordem era não abordar veículos da Nasf
Na tarde desta quarta-feira (6), servidores do 4º BPM prestaram depoimento ao Ministério Público. Um deles aceitou conversar com a equipe da RBS TV. Sem se identificar, ele contou que os PMs recebiam ordens do comandante André Luis Pithan para não abordar veículos da empresa. "(Era) para deixar eles trabalharem livremente na área", explicou.
Eram todos revoltados contra o serviço dessa milícia”
policial de Pelotas
O PM observou que a situação desagradava o restante dos PMs. "Eram todos revoltados contra o serviço dessa milícia organizada, com envolvimento direto do coronel. Isso gerou muita revolta aí dos policiais. Era uma ordem, 'né', direta para as viaturas 'não abordar'. (...) Deixar a Nasf trabalhar livremente para realizar as suas arbitrariedades." 

A partir de agora, o Ministério Público quer confirmar a expansão das ações da Nasf a outras cidades do Sul do estado. Já se conseguiu comprovar que a empresa queria estender suas atividades para São Lourenço do Sul e Rio Grande. Segundo o promotor de Justiça Reginaldo Freitas da Silva, já estaria, inclusive, ocorrendo a captação de policiais. "De outros soldados da reserva e com contatos com policiais da ativa também", explica o promotor.
Outra ilegalidade apontada pelo Ministério Público é o uso de armas pelos integrantes da Nasf para garantir a segurança dos clientes. Segundo o MP, a empresa é cadastrada pra fazer serviços de zeladoria, por isso, não poderia usar armamento.

Segundo a Polícia Federal, há dois anos foi pedido o fim das atividades da Nasf, que não era regularizada.
Na terça-feira a Brigada Militar decidiu suspender o alvará de funcionamento da empresa. A medida foi oficializada nesta quarta (6) e, a partir de então, a Nasf não poderá mais funcionar.
Comandante portava arma irregular
Entre os presos estava o tenente-coronel André Luis Pithan, que foi solto posteriormente após pagar fiança. O oficial portava uma arma de forma irregular.
Comandante André Luiz Pithan estava com arma de forma irregular (Foto: Reprodução/RBS TV)Comandante André Luiz Pithan estava com arma
de forma irregular (Foto: Reprodução/RBS TV)
Em entrevista à RBS TV, na terça-feira (5), o comandante do 4º BPM afirmou que o armamento era de um dos filhos da empresa investigada, a Nasf. "Essa arma chegou às minhas mãos porque ele me entregou. Numa madrugada da semana passada, ele brigou com sua esposa e, como eu já o conhecia, ele achou melhor me entregar essa arma para que não acontecesse um mal maior", explicou.
No mesmo dia, o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Alfeu Freitas Moreira, anunciou que Pithan será transferido. "Vamos tirar do Batalhão de Pelotas e vamos ver qual o destino que vamos dar."

Também estavam entre os presos dois sargentos do Exército. O integrante da 8ª Brigada de Infantaria Motorizada, João José de Freitas Silva, explicou que eles foram encaminhados ao 9º Batalhão de Infantaria Motorizada "para esclarecer os fatos e apurar as responsabilidades".
O advogado do proprietário da Nasf disse que a defesa ainda não teve acesso ao processo, que ainda está com o Ministério Público, e que entende como "excesso do judiciário" a prisão dos integrantes da empresa sem especificar os motivos.

Empresa organizou milícia
Conforme o Ministério Público a empresa, que deveria prestar serviço de zeladoria, organizou uma milícia e torturava suspeitos de crimes. Durante as investigações, os agentes do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) tiveramacesso a vídeos que comprovariam as agressões.
Em um deles, um homem é obrigado a ler o que está escrito em uma placa com o nome da empresa, a Nasf. "Tu vais mexer nas placas?", questiona um homem para outro, que estava dentro de um carro, após o suspeito ter sido forçado a descrever o que estava escrito. Em resposta ele diz: "Nunca mais, senhor. Nunca mais."
Para o promotor de justiça Reinaldo Freitas da Silva, a imagem mostra um vigilante agindo para estabelecer a "doutrina de medo" com um suspeito de furto. Segundo o Ministério Público, o vídeo foi gravado pelos próprios suspeitos e comprovaria a agressão a um homem que teria roubado uma casa atendida pela empresa. Silva explica que as torturas físicas e psicológicas também eram praticadas em pessoas que não tinham nenhum envolvimento em crimes contra o patrimônio ou qualquer outra situação.
Operação Braço Forte Pelotas (Foto: PG Alves/MP-RS)Agentes cumpriram mandado de busca e
apreensão (Foto: PG Alves/MP-RS)
"Onde houvesse a fixação da placa, haveria o medo de qualquer pessoa, de praticar qualquer ato ao patrimônio daquela pessoa. Não se vendia o serviço de segurança, se vendia aquela colocação da placa, que demandaria o medo para terceiros, que não respeitada essa placa, haveria uma perseguição, uma acusação e um julgamento dessas pessoas."
Segundo o promotor, a empresa arrecadava em torno de R$ 500 mil por mês, mas atuava na informalidade. "Hoje foram apreendidos livros, que talvez nos indiquem quanto seria esse pagamento. Mas de impostos eu acredito que nada." Freitas explica que a maior parte dos contratos eram informais ou verbais. "Até mesmo para que não houvesse essa identificação, uma formalização desse controle", explica.
Conforme o Ministério Público, familiares de supostos criminosos também eram espancados. Além disso, empresas eram forçadas a contratar os serviços da empresa por meio de arrombamentos de residências e estabelecimentos comerciais.

A empresa foi criada por um policial logo após ele ter ido para a reserva da Brigada Militar, há cerca de 10 anos. Atualmente, conta com cerca de 5 mil clientes. A investigação foi coordenada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) durou três meses e foram desencadeadas a partir de uma denúncia.

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