sexta-feira, 13 de maio de 2016

Santa Maria / RS: Estudante de medicina convida 'Piratinha' para fotos da formatura

12/05/2016 06h35 - Atualizado em 12/05/2016 11h40

Gabrieli, hoje com 6 anos, inspirou estudante na escolha da especialidade.

Ben-hur Lima, 25 anos, se forma no fim do ano e quer ser pediatra.

Rafaella FragaDo G1 RS
Ben-hur e Gabi, a Piratinha, posam para sessão de fotos (Foto: Ben-hur Lima/Arquivo pessoal)Ben-hur e Gabi, a Piratinha, posam para sessão de fotos (Foto: Ben-hur Lima/Arquivo pessoal)
Foi acompanhando de perto a luta contra o câncer de uma menina de apenas três anos que o formando em medicina Ben-Hur Moraes de Lima, 25 anos, diz ter descoberto sua verdadeira vocação. Prestes a obter o diploma, ele desistiu da ideia inicial de especializar-se em endocrinologia e sabe que a partir de agora quer dedicar-se a cuidar da saúde das crianças.
Em 2012, durante um estágio no Hospital Universitário de Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul, o estudante conheceu a pequena Gabrieli Van Oudheusden Medeiros, hoje com seis anos de idade. A menina, uma ilustre torcedora do Grêmio, virou hit na internet ao imitar o  gesto do centroavante argentino Barcos, ex-jogador do clube, conhecido como Pirata.
Mas a relação entre os dois foi muito além do trato profissional entre médico e paciente. Prova disso é que Ben-Hur convidou a menina para ser parte do seu convite de formatura. "Foi uma forma de agradecer a ela pelo que ela me mostrou na vida. Eu descobri minha vocação", diz.
Acho que falta esse trato na relação médico-paciente, sabe? Olhar no olho, pegar na mão, dar um abraço. A medicina tem que ter essa humanização. Sem isso, ela não vale a pena"
Ben-Hur Moraes de Lima, 25 anos
Ainda bebê, a Piratinha, como Gabi foi apelidada, deu início a uma série de sessões de quimioterapia para tratar uma Leucemia Linfóide Aguda, um dos tipos mais severos da doença, recém-diagnosticada. A internação da menina obrigou a família de São Sepé, uma pequena cidade de 23 mil habitantes perto de Santa Maria, a mudar-se para o hospital.
Certo dia, um rapaz de jaleco branco entrou no quarto onde Gabi estava internada. O então estudante do quarto semestre de medicina da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) fazia parte da equipe de estagiários do setor de hemato-oncopediatria do hospital. Nunca tinha tratado crianças, até aquele momento. Acometida pela doença, a menina evitou a aproximação, e se esquivou do exame, curvando-se para a mãe.
Após viagem ao Rio, Ben-hur presenteou Gabi com uma fantasia de pirata (Foto: Ben-hur Lima/Arquivo pessoal)Ben-hur presenteou Gabi com uma fantasia de
pirata (Foto: Ben-hur Lima/Arquivo pessoal)
“A primeira vez que cheguei para examinar a Gabi, ela não deixou. Eu falei pra ela assim: ‘Tu sabe como é meu nome? Eu sou o Ben 10’. Ela ficou me olhando, fixa, até que abriu um sorriso e fez que sim com a cabeça”, lembra ele. “Depois ela contou para o pai dela que o Ben 10 tinha aparecido lá e examinado ela. Ele não entendeu nada. Quando me conheceu, leu meu nome no jaleco, e aí percebeu tudo”, ri.
A referência ao desenho animado transformou Ben-hur no Tio Ben. Dali, formaram-se laços de carinho e amizade, amarrados até hoje.
"Um dia, do nada, recebi uma mensagem no Whatsapp de um número desconhecido. Eram vários corações, e tinha um áudio. Quando abri, ouvi a Gabi dizendo que estava com saudade do 'Tio Ben'. Criança é assim. Se doa gratuitamente. É pureza", diz ele, que defende uma empatia maior da classe médica com os pacientes.
"Acho que falta esse trato na relação médico-paciente, sabe? Olhar no olho, pegar na mão, dar um abraço. A medicina tem que ter essa humanização. Sem isso, ela não vale a pena", analisa.
"Ele sempre foi muito legal com a Gabi. Para ela, não era um exame, era uma brincadeira com o Ben-hur. Ele amenizava o clima pesado do hospital", retribui a mãe Cristiéli Rangel Van Oudheusden, 24 anos.
Ele sempre foi muito legal com a Gabi. Para ela, não era um exame, era uma brincadeira"
Cristiéli Rangel Van
Oudheusden, 24 anos, mãe da Gabi
Tratamento o inspirou na carreira
O período do estágio acabou, mas Ben-hur continuou acompanhando o tratamento de Gabi. Candidatou-se para uma prova de monitoria do Centro de Tratamento da Criança com Câncer (CTCriac) do hospital. Aprovado, continuou convivendo com a menina e os pais, e a relação só fortaleceu.
"Sempre me diziam que fazendo esse estágio eu ia sofrer. Ia ver as crianças morrendo, e que seria muito triste. Claro que tem crianças que infelizmente não tiveram um final feliz. Mas o que eu vi lá foi algo totalmente diferente. O que mais me encantava na Gabi e nas outras crianças, é que, apesar delas estarem lá, em um ambiente difícil que é hospital, elas estão sempre com sorriso no rosto. E isso é encantador", afirma.
Amizade de Ben-hur e a Piratinha começou em 2012 (Foto: Ben-hur Lima/Arquivo pessoal)Amizade de Ben-hur e a Piratinha começou em
2012 (Foto: Ben-hur Lima/Arquivo pessoal)
Em novembro do ano passado, Gabi completou a última sessão de quimioterapia, depois de três anos e sete meses de tratamento. Desde então, a menina realiza monitoramentos a cada dois meses no hospital. "Ela está super bem, mas visitamos o médico com certa frequência", confirma a mãe.
Não só o resultado do tratamento, mas a experiência no setor inspirou um novo rumo na carreira do futuro médico.
"Antes disso eu não teria coragem de seguir na carreira da oncologia pediátrica. Não me via fazendo isso. Mas mudei totalmente de opinião. Outra concepção que mudou em mim é que quando eu via uma criança careca, eu tinha um sentimento de pena. Hoje eu olho e tenho orgulho. Por elas serem corajosas e lutarem pela vida. Elas amadurecem de uma forma diferente. Já vi crianças consolando os próprios pais", pondera.
Convite faz referência ao filme Patch Adams 
Em 30 de abril, Gabi voltou ao hospital. Desta vez, porém, a visita foi para participar de uma sessão de fotos que irão ilustrar o convite para a formatura de Ben-hur. Nem a manhã gélida daquele dia inibiu a empolgação da pequena.
Piratinha foi convidada para aparecer no convite de formatura de Ben-hur  (Foto: Ben-hur Lima/Arquivo pessoal)Piratinha foi convidada para aparecer no convite de
formatura de Ben-hur (Foto: Arquivo pessoal)
"Pra gente foi uma honra mesmo, isso encerra com chave de ouro um ciclo importante para os dois. Adoramos participar, e ela também. A Gabi sempre dá uma resmungada pra acordar, mas naquele dia eu disse que ela usar o vestido de princesa, e ela se animou. Não reclamou de nada", conta a mãe.
"Eu fiz o convite porque a história dela se confunde um pouco com a minha trajetória na medicina. Foi uma forma de agradecer a ela pelo que ela me mostrou na vida. Eu descobri minha vocação. A Gabi é o espelho do que eu sempre sonhei em enxergar na medicina", explica Ben-hur.
No convite, as fotos deveriam estar de acordo com a área da medicina escolhida pelo formando, usando uma temática especial. Vestida de Branca de Neve, com um laço vermelho no cabelo e de batom da mesma cor nos lábios, Gabi posou ao lado do Tio Ben. O redondo nariz de palhaço foi inspirado no filme "Patch Adams", estrelado por Robin Williams em 1998.
"Uma frase que lembro muito é a que diz: ‘Comprimidos aliviam a dor, mas só o amor alivia o sofrimento’. Me marcou muito", lista ele.
Concluído o curso, Ben-hur tem o plano de fazer a residência em pediatria, e buscar uma vaga no setor de oncologia do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, referência no tratamento de crianças com câncer. Mas antes, vem a colação de grau e a festa de formatura, que já têm data marcada: 9 de dezembro.
Piratinha Gabrieli (Foto: Arquivo pessoal)Piratinha imitava o gesto do centroavante Barcos nas comemorações de gols (Foto: Arquivo pessoal)

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